A literatura tem a virtude de evidenciar a essência das coisas, sem sequer a mencionar.
Nas supostas histórias infantis,
de que se salientam as fábulas, isso é ainda mais intenso.
Li, agora, “A Montanha da Água
Lilás”, de Pepetela e recordei as vezes que li e reli o “Animal Farm”, de
George Orwell, sem acreditar o quanto era possível mostrar tudo sem dizer nada.
Nessa altura, algures no milénio passado, estava-se em exuberante guerra fria e
o comunismo era uma doutrina e uma realidade que dominava metade do mundo. A
metade que não era a nossa. Do lado de cá da História, o liberalismo
capitalista prometia e as sociedades de consumo ocidentais prosperavam. Chegou
a parecer que ia durar sempre e ser suficiente para todos. Apesar de ganhar a
guerra fria com o aquecimento que a saída dos choques petrolíferos
proporcionou, não se viu proliferar no Ocidente a distribuição de riqueza que o
mercado livre criava. Pelo contrário. Embora, em geral, se viva melhor, a concentração da riqueza em pouquíssimos tem sido uma tendência crescente. Todas as
pessoas vivem melhor, mas muito poucas vivem mais melhor que todas as outras.
“Animal Farm” é uma fábula
política, “A Montanha da Água Lilás” é uma fábula económica. Numa e noutra está
lá tudo.
A essência da natureza humana, dê
lá por onde der, vai dar sempre no mesmo.