“Quem guarda os guardas?” é uma
pergunta em tudo idêntica a “O que surgiu primeiro, o ovo ou a galinha?”. No
essencial e no infinito, não têm resposta certa.
Saber quem guarda os guardas é
uma preocupação primeira do Direito. Vai-se sabendo menos, muito menos, que o que
carateriza o Direito e o distingue de outras ordens normativas é ser assistido
de coercividade. Basicamente significa que tem um braço armado. Legitimamente
armado. Esta ideia, como todas, foi evoluindo e estamos a caminho de sair da
perfeição e simplicidade que se seguiu aos excessos de absolutismo na Europa
que, tendo coincidido mais coisa menos coisa com a expansão do imperialismo,
deu um modelo bastante abrangente daquilo a que se tem usado chamar “democracia”.
Houve teorização forte e consistente, bom pensamento já iluminado que
fundamentou uma nova construção do Estado. No essencial, Montesquieu estabeleceu o
princípio da separação de poderes, que se complementavam e fiscalizavam. O
poder legislativo fazia as regras, o poder executivo concretizava-as e
implementava-as, o poder judicial fiscalizava o seu cumprimento e punia o
incumprimento. Este expediente permitia a quadratura do círculo, já que os
guardas se guardavam uns aos outros. Tudo isto baseado num povo, beatífico,
uno, indivisível, com uma vontade que sabia qual era e expressava de um modo inequívoco
àqueles que elegia para o governarem para o seu próprio bem. Para o seu próprio
bem, do povo, claro. Os seres eleitos serviam para servir. Faziam o bem comum,
de um modo desprendido, sem olharem a benesses ou benefícios pessoais. Por
coincidência eram ricos ou ficavam ricos, ou ambas as coisas. Coincidências
que, por coincidência, se mantêm ao longo da História de todos os tempos e lugares,
com honrosas exceções que só servem para confirmar a regra.
Naturalmente que isto não podia
correr bem. Ou melhor, isto só podia correr bem enquanto os que detinham a
força estivessem de acordo com as regras. Caso contrário, haveriam golpes de
estado ou, caso a força estivesse no “povo”, muitas vezes armado a contento, haveriam
revoluções. Daí nasceriam novas regras, muito melhores que as anteriores,
executadas por eleitos, muito mais competentes, honestos, inteligentes,
conciliadores e, desde que apareceu a televisão, necessariamente mais bonitos,
que os anteriores. Fiscalizados por um poder judicial sisudo e por forças
policiais falhas de meios para efetuarem devidamente a sua função.
Essa função pressupunha vigilância, a base de tudo. Desde espreitar fechaduras
para descobrir segredos e ter poder, passando por minuciosos interrogatórios utilizando
todos os meios de tortura inimagináveis, procurando não deixar marca e
preservar a vida do atormentado, para dele poder obter informações e ganhar poder, até ao olho gigante colado à fechadura que dá para o mundo global
atual, que tudo vê a toda a hora, em todo o lado.
O passo seguinte, bonito e
surpreendente, é que
isto deu arte. Quando uma coisa dá arte, nasce uma leve esperança de
redenção.
Esta notícia causou-me bastante
turbulência. Este é o take 1.
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