segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Ovos, galinhas e guardas


“Quem guarda os guardas?” é uma pergunta em tudo idêntica a “O que surgiu primeiro, o ovo ou a galinha?”. No essencial e no infinito, não têm resposta certa.
Saber quem guarda os guardas é uma preocupação primeira do Direito. Vai-se sabendo menos, muito menos, que o que carateriza o Direito e o distingue de outras ordens normativas é ser assistido de coercividade. Basicamente significa que tem um braço armado. Legitimamente armado. Esta ideia, como todas, foi evoluindo e estamos a caminho de sair da perfeição e simplicidade que se seguiu aos excessos de absolutismo na Europa que, tendo coincidido mais coisa menos coisa com a expansão do imperialismo, deu um modelo bastante abrangente daquilo a que se tem usado chamar “democracia”. Houve teorização forte e consistente, bom pensamento já iluminado que fundamentou uma nova construção do Estado. No essencial, Montesquieu estabeleceu o princípio da separação de poderes, que se complementavam e fiscalizavam. O poder legislativo fazia as regras, o poder executivo concretizava-as e implementava-as, o poder judicial fiscalizava o seu cumprimento e punia o incumprimento. Este expediente permitia a quadratura do círculo, já que os guardas se guardavam uns aos outros. Tudo isto baseado num povo, beatífico, uno, indivisível, com uma vontade que sabia qual era e expressava de um modo inequívoco àqueles que elegia para o governarem para o seu próprio bem. Para o seu próprio bem, do povo, claro. Os seres eleitos serviam para servir. Faziam o bem comum, de um modo desprendido, sem olharem a benesses ou benefícios pessoais. Por coincidência eram ricos ou ficavam ricos, ou ambas as coisas. Coincidências que, por coincidência, se mantêm ao longo da História de todos os tempos e lugares, com honrosas exceções que só servem para confirmar a regra.
Naturalmente que isto não podia correr bem. Ou melhor, isto só podia correr bem enquanto os que detinham a força estivessem de acordo com as regras. Caso contrário, haveriam golpes de estado ou, caso a força estivesse no “povo”, muitas vezes armado a contento, haveriam revoluções. Daí nasceriam novas regras, muito melhores que as anteriores, executadas por eleitos, muito mais competentes, honestos, inteligentes, conciliadores e, desde que apareceu a televisão, necessariamente mais bonitos, que os anteriores. Fiscalizados por um poder judicial sisudo e por forças policiais falhas de meios para efetuarem devidamente a sua função. Essa função pressupunha vigilância, a base de tudo. Desde espreitar fechaduras para descobrir segredos e ter poder, passando por minuciosos interrogatórios utilizando todos os meios de tortura inimagináveis, procurando não deixar marca e preservar a vida do atormentado, para dele poder obter informações e ganhar poder, até ao olho gigante colado à fechadura que dá para o mundo global atual, que tudo vê a toda a hora, em todo o lado.
O passo seguinte, bonito e surpreendente, é que isto deu arte. Quando uma coisa dá arte, nasce uma leve esperança de redenção.


Esta notícia causou-me bastante turbulência. Este é o take 1. 

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