quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Da Modernidade à Digitalidade


Segundo a wikipédia, que tudo sabe, "digitalidade", no sentido de idade digital, não existe e Digital Age é uma banda rock. 

No dicionário online da Porto Editora, "digitalidade" também não existe.

Em face de tais evidências, não há que insistir.

No entanto, parece de admitir que a modernidade / modern age já vigora há tanto tempo e está tão estafada que terá de estar a dar origem a outra coisa. Vai-se esticando, juntam-se-lhe adjetivos modificativos, que lhe vão retirando caraterísticas essenciais e colocando outras que a contradizem e a tornam noutra coisa. Desconfortável. Entre olhar para o lado, a tentar não ver e submergir a tentar perceber, o tempo vai passando a grande velocidade, num tempo que, no digital, tanto se encurta, como se torna infinito. 

Caminhamos da modernidade para a digitalidade. Já chegámos?

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Big I and Big Eye




Porquê preocuparmo-nos com a vigilância do Estado, histérico com o terrorismo, palavra a evitar porque se não se disser não existe? 
Cada um de nós carrega consigo, voluntariamente, no bolso, a sua própria vigilância. "I am watching me" de um modo que Orwell provavelmente não sonharia nos seus mais tenebrosos pesadelos. O big brother é uma brincadeira de crianças em comparação com o big I. O grande Eu, transporta um smartphone, com GPS que, por mais que o desligue, se liga, com uma câmara que fotografa e filma tudo o que vê e faz, com ligação à internet que permite postar nas redes sociais todas as suas irrelevâncias imediatamente, que permite pesquisar e registar as pesquisas feitas, traçando um percurso ao minuto, ao segundo. 
O smartphone é o Big Eye do Big I, gigantesco Eu da pós, hiper, extra, super, líquida, modernidade, que vive de se exibir e se alimenta de likes.

take 2

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Ovos, galinhas e guardas


“Quem guarda os guardas?” é uma pergunta em tudo idêntica a “O que surgiu primeiro, o ovo ou a galinha?”. No essencial e no infinito, não têm resposta certa.
Saber quem guarda os guardas é uma preocupação primeira do Direito. Vai-se sabendo menos, muito menos, que o que carateriza o Direito e o distingue de outras ordens normativas é ser assistido de coercividade. Basicamente significa que tem um braço armado. Legitimamente armado. Esta ideia, como todas, foi evoluindo e estamos a caminho de sair da perfeição e simplicidade que se seguiu aos excessos de absolutismo na Europa que, tendo coincidido mais coisa menos coisa com a expansão do imperialismo, deu um modelo bastante abrangente daquilo a que se tem usado chamar “democracia”. Houve teorização forte e consistente, bom pensamento já iluminado que fundamentou uma nova construção do Estado. No essencial, Montesquieu estabeleceu o princípio da separação de poderes, que se complementavam e fiscalizavam. O poder legislativo fazia as regras, o poder executivo concretizava-as e implementava-as, o poder judicial fiscalizava o seu cumprimento e punia o incumprimento. Este expediente permitia a quadratura do círculo, já que os guardas se guardavam uns aos outros. Tudo isto baseado num povo, beatífico, uno, indivisível, com uma vontade que sabia qual era e expressava de um modo inequívoco àqueles que elegia para o governarem para o seu próprio bem. Para o seu próprio bem, do povo, claro. Os seres eleitos serviam para servir. Faziam o bem comum, de um modo desprendido, sem olharem a benesses ou benefícios pessoais. Por coincidência eram ricos ou ficavam ricos, ou ambas as coisas. Coincidências que, por coincidência, se mantêm ao longo da História de todos os tempos e lugares, com honrosas exceções que só servem para confirmar a regra.
Naturalmente que isto não podia correr bem. Ou melhor, isto só podia correr bem enquanto os que detinham a força estivessem de acordo com as regras. Caso contrário, haveriam golpes de estado ou, caso a força estivesse no “povo”, muitas vezes armado a contento, haveriam revoluções. Daí nasceriam novas regras, muito melhores que as anteriores, executadas por eleitos, muito mais competentes, honestos, inteligentes, conciliadores e, desde que apareceu a televisão, necessariamente mais bonitos, que os anteriores. Fiscalizados por um poder judicial sisudo e por forças policiais falhas de meios para efetuarem devidamente a sua função. Essa função pressupunha vigilância, a base de tudo. Desde espreitar fechaduras para descobrir segredos e ter poder, passando por minuciosos interrogatórios utilizando todos os meios de tortura inimagináveis, procurando não deixar marca e preservar a vida do atormentado, para dele poder obter informações e ganhar poder, até ao olho gigante colado à fechadura que dá para o mundo global atual, que tudo vê a toda a hora, em todo o lado.
O passo seguinte, bonito e surpreendente, é que isto deu arte. Quando uma coisa dá arte, nasce uma leve esperança de redenção.


Esta notícia causou-me bastante turbulência. Este é o take 1.